Sanção de Trump contra o Brasil é chantagem política e mira o BRICS, dizem especialistas

LUCAS PORDEUS LEÓN - REPÓRTER DA AGÊNCIA BRASI 10/07/2025



 




Rio de Janeiro (RJ), 06/07/2025 - Foto ofical do Brics com seus membros.<br />
Da esquerda para direita:<br />
Minister Sergei Lavrov (Rússia),<br />
Khaled bin Mohamed Al Nahyan (Emirados),<br />
Prabowo Subianto (Indonésia)<br />
Cyril Ramaphosa (África do sul)<br />
Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil)<br />
Primeiro ministro, Narendra Modi  (Índia)<br />
 Premier Li Qiang (China)<br />
Abiy Ahmed (Etiópia)<br />
Mostafa Madbouly (Egito)<br />
 Abbas Araghchi (Irã)<br />
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

© JOÉDSON ALVES/AGÊNCIA BRASIL





tarifa comercial de 50% anunciada pelos Estados Unidos (EUA) contra o Brasil, que deve ser aplicada a partir de 1º de agosto, funciona como sanção econômica com objetivo de chantagem política, visando atingir o Brics e proteger as empresas de tecnologia e redes sociais estadunidenses, as chamadas big techs, além de tentar interferir no processo político e judicial interno do país.




Brasília (DF), 16/08/2016 - O professor Doutor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), Pedro Linhares Rossi, participa de  reunião da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado



Professor Doutor do Instituto de Economia da Unicamp Pedro Linhares Rossi avalia que não há racionalidade econômica na decisão do presidente americano. Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado




Essa é a avaliação de analistas consultados pela Agência Brasil, que destacaram que a questão comercial não justifica a sanção contra o Brasil devido, entre outros motivos, ao fato de a economia brasileira não contribuir para o déficit comercial dos Estados Unidos, como falsamente alega Trump. Além disso, o Brasil tem um peso relativamente pequeno para a economia americana.



O professor de economia da Unicamp Pedro Rossi afirmou à Agência Brasil que não enxerga racionalidade econômica na decisão de Trump. Para ele, a medida tem motivações políticas.  




“Do ponto de vista comercial, não tem uma finalidade clara. O Brasil não é tão relevante para a economia americana, apesar de ser relevante em alguns setores. São arroubos políticos e o uso de um instrumento comercial para outros propósitos. Para ameaçar e tentar chantagear um país”, avaliou.




Os dados do próprio governo dos Estados Unidos mostram que o superávit no comércio de bens com o Brasil cresceu 31,9% em 2024, chegando a um saldo positivo para Washington em US$ 7,4 bilhões.



O dado oficial dos EUA é, inclusive, muito superior ao registrado pelo governo brasileiro. O Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) do Brasil calculou um superávit a favor dos EUA de US$ 284 milhões no ano passado. Diferentes metodologias na coleta de dados explicam os números divergentes.



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Brics 



Ainda de acordo com Trump, as tarifas do Brasil “causaram esses déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos”. A afirmação contraria os dados do próprio governo americano, que mostram que o último déficit comercial dos Estados Unidos com o Brasil foi em 2007, há 17 anos.



Para o economista Pedro Rossi, esse tarifaço não responde a problemas da balança comercial. 



“Ele olhou para o Brasil como um país que ele pode ameaçar sem muita consequência econômica para os Estados Unidos, como é o caso do México e Canadá. Isso foi uma reação muito espontânea e bruta à cúpula dos Brics e à forma como o Brasil está se movendo no cenário internacional”, explicou.



Durante a Cúpula do Rio de Janeiro, Trump voltou a ameaçar os países que se alinhem às políticas do bloco. 



A professora de relações internacionais Camila Feix Vidal, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), destacou o timing da decisão após a cúpula do Brics.




Florianópolis (SC), 10/07/2025 - Tarifas do presidente Trump. A professora de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Camila Feix Vidal. Foto: UFSC/Divulgação



Professora de relações internacionais Camila Feix Vidal, da da Universidade Federal de Santa Catarina, avalia que a estratégia de Trump é um “tiro no pé” Foto: UFSC/Divulgação





“Enquanto a carta da Indonésia é justificada em termos desse suposto déficit comercial [Indonésia foi taxada em 32% por Trump], na do Brasil a justificativa mais plausível, que dá o tom da carta, é o aspecto político. Trata-se, portanto, de tentar interferir no nosso sistema jurídico”, comentou a especialista nas relações Estados Unidos e América Latina.




Na carta sobre as tarifas, Trump também saiu em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de tentativa de golpe de Estado no Brasil.  Aliados do político brasileiro tem solicitado apoio de Trump contra o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).



Relações comerciais



O professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luiz Carlos Delorme Prado destacou que o direito internacional não permite o uso de tarifas para fins políticos de forma unilateral.




“O que se trata aqui é de um comportamento abusivo de um governo estrangeiro para obter vantagens políticas usando meios ilegais para constranger um país soberano. Existe um procedimento para aplicação de tarifas, o que passa pela Organização Mundial do Comércio (OMC)”, destacou.





Rio de janeiro (RJ), 10/07/2025 - Tarifas do presidente Trump. O professor Luiz Carlos Delorme Prado. Foto: Willian Santos/Divulgação



Para o professor Luiz Carlos Delorme Prado, o direito internacional não permite uso de tarifas para fins políticos de forma unilateral Foto: Willian Santos/Divulgação




Prado lembrou, porém, que os sucessivos governos dos Estados Unidos vêm, desde Barack Obama (2008-2016), esvaziando o papel da OMC ao não indicar os juízes que deveriam arbitrar os conflitos comerciais.



Na carta enviada ao governo brasileiro, Trump justifica que a relação comercial com o Brasil é “injusta” por causa de “tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil” e que a tarifa de 50% é “muito menos” que o necessário para “termos igualdade de condições”.



Antes do primeiro tarifaço mundial de Trump, no início de abril, o governo dos Estados Unidos divulgou relatório criticando o modelo tarifário do Brasil em relação as importações, em especial, nos setores do etanol, filmes, bebidas alcoólicas, telecomunicações, máquinas e equipamentos.



O professor Prado explicou que essas tarifas foram construídas ao longo de negociações comerciais pós 2ª guerra mundial.




“O Brasil dá tratamentos diferenciados para determinados produtos. O fato de as tarifas não serem iguais é resultado de todo o processo de negociação do pós-guerra que vai criar a OMC. Não há razão para as tarifas serem exatamente iguais entre o Brasil e os EUA, inclusive, porque são países de graus de desenvolvimento diferentes”, comentou.




Já o economista Pedro Rossi diz que é comum ter déficit ou superávit nas relações comerciais e que o saldo comercial não significa que a relação é justa ou injusta.



“É normal que se tenha comércios de acordo com a especialização de cada país. Isso não significa justiça ou injustiça. O fato de o Brasil ter um déficit com os EUA não é uma injustiça, é um reflexo de uma estrutura produtiva, que tem complementariedade com a economia americana”, comentou o professor licenciado da Unicamp.



Resposta do Brasil



Para os três analistas consultados pela Agência Brasil, o governo deve usar a Lei de Reciprocidade para responder ao governo estadunidense. Para Luiz Prado, da UFRJ, usar ameaças e retaliações para objetivos políticos ou comerciais é inaceitável.




“O Brasil não tem alternativa a não ser a responder com os instrumentos que ele tem disponível. É claro que o Brasil tem que estar sempre disposto a negociar. Há uma simetria de poder muito grande entre os EUA e o Brasil”, disse.




A professora Camila Vidal avalia que a estratégia de Trump é um “tiro no pé” e tem o poder de unir grupos políticos antagônicos no Brasil em defesa da soberania nacional.




“Quem sabe agora fique óbvio que não existe patriotismo batendo continência para a bandeira de outro país e que os interesses daquele país, por óbvio, não são os mesmos interesses que os nossos”, comentou.




Já o economista Pedro Rossi avalia que o episódio abre oportunidade de o Brasil diversificar suas parcerias, fortalecer relações com Europa, Ásia, África e Brics, além de fomentar a indústria nacional.




“O Brasil pode substituir uma parte dessas importações com produtos nacionais, inclusive gerando emprego e renda. Isso acelera o processo de integração com outros atores, com os próprios Brics e América do Sul. No fundo, é uma decisão que isola os Estados Unidos e joga o Brasil no colo de outros atores”, completou.








Edição:
Sabrina Craide



Fonte: Agência Brasil

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