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A Ronda Gaúcha no rádio 12/09/2025

Ainda dentro da programação da Ronda de 1947, o Departamento de Tradições Gaúchas efetivou a audição radiofônica a que se havia proposto. 
Naquele tempo, algo inédito no meio estudantil. Não existiam, praticamente, na radiofonia rio- grandense, programas regionalistas gauchescos, exceto o “Campereada”, de Lauro Rodrigues. Este era produzido em estúdio, em formato de rádioteatro, realizado por artistas profissionais. Fazer uma programação regional, especialmente com sentido cultural, não era nada comum.
Vale dizer que o secundarista Ruy Caporal, então presidente de nosso grêmio estudantil, mantinha, ao vivo, todos os sábados à tarde, um programa estudantil variado, de duas horas de duração, com grande audiência na Rádio Farroupilha, a mais potente emissora do sul do Brasil na época.
E assim foi ao ar o programa “Alma do Pago” - anteriormente denominado “Alma Gaúcha” - através de um elenco de alunos julianos e convidados especiais. Claro que, depois de muitos ensaios, pois eram todos amadores. Minha participação foi interpretando uma personagem campesina.
A repercussão alcançada pela audição, cujo texto e direção eram de autoria do nascente poeta Glauco Saraiva - que se entregava às festividades nativistas do Julinho -, pode ser medida pelo conteúdo de uma carta do cônsul honorário do Paraguai em Porto Alegre, dirigida ao Grêmio Estudantil Júlio de Castilhos:
“Venho por meio destas linhas externar minha modesta opinião sobre o programa radiofônico levado a efeito por esse Grêmio através da onda potente da Rádio Farroupilha. Alma do Pago evoca brilhantemente tudo da verdade pátria cabocla e do chimarrão; na sua sequência admirável, podemos apreciar a plenitude na lenda e na história das tradições deste país, em cujo seio nos ufanamos de ter nascido. Apraz-me felicitar-vos cordialmente, não só pela feliz ideia que presidiu os vossos intentos, como também pela impecável interpretação dos personagens. Oxalá programas dessa índole sejam mantidos em nossos rádios, a fim de que, em nossos corações, permaneça vivo o fogo das tradições gaúchas, orgulho deste meridional”.
Cordialmente, J. Cunha.
O referido programa repercutiu não só na capital, mas também no interior do Estado. São testemunhos os vários telegramas recebidos.
O sucesso do empreendimento irradiou-se também ao meio artísticoteatral do Julinho, onde despontavam Walmor Chagas, Guilherme Corrêa e outros que, mais tarde, se tornariam consagrados artistas do palco e da televisão brasileira. Lá estávamos, com Barbosa Lessa, Júlio Simões Pires e outros do Departamento de Tradições Gaúchas, apresentando-nos em Caxias do Sul, juntamente com uma peça teatral encenada pelos próprios julianos.
O entusiasmo gerado por esse feito radiofônico reverberou entre alunos, professores e a comunidade regional, que enxergavam na iniciativa um resgate das raízes do pampa e uma ponte entre o tradicionalismo e a juventude urbana de Porto Alegre. Não tardou para que surgissem convites a novas apresentações, estimulando a criatividade do Departamento de Tradições Gaúchas a buscar outras formas de expressão artística. Ensaios se multiplicaram, e logo o teatro estudantil começou a ser palco de experimentações, onde música, poesia e dramaturgia gaúcha se entrelaçavam, fomentando um ambiente de efervescência cultural que, semeado naquele contexto, frutificaria nas décadas seguintes.
O espaço de apresentações era um colégio de padres. Naqueles anos, a dificuldade em encontrar alunas dispostas a participar do teatro era grande; assim, o recurso era suprir os papéis femininos com rapazes travestidos. 
Quando os clérigos souberam desse detalhe, a encenação foi cancelada. Dessa forma, o conjunto gauchesco do departamento passou a ocupar o espaço radiofônico, declamando, cantando e tocando.
A produção musical gaúcha e de vates regionalistas era ainda escassa. Mesmo assim, levamos aos ouvintes da limitada emissora de Caxias interpretações como Gauchinha Vinha, de Luís Cosme; Minuano, de Arthur Euler; Gaúcho Eu Sou, de Faria Corrêa; Prenda Minha, do folclore; Velha Tapera, de Lauro Rodrigues; Limpa Bancos e outros temas musicais. Também poemas de Vargas Neto, Lauro Rodrigues, Valdomiro Souza, Glaucus Saraiva e tantos mais.
 
Do livro Primórdios da Semana 
Farroupilha | Paixão Côrtes

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